Por Tav Rosh Benyakóv
Por entender a Ciência Jurídica como uma sublimação da alma humana, ouso transformar o conceito de justiça social numa metáfora metafísica para ilustrar a necessidade de abolir o obsoleto conceito de “Justiça Cega”. Não chega a ser um ensaio teológico-filosófico, mas singela apologia à “Justiça Visionária” – enquanto paradigma que representa a legítima expressão dos anseios ideológicos do cidadão comum, acostumado a ver para crer e a crer para ver.
A deidade, em sua suprema onipresença, onisciência e onipotência, poderia, simbolicamente, ter seus olhos vendados – no sentido de não fazer diferença entre as partes litigantes – pois, mesmo assim, saberia julgar com rapidez e equidade: oferecendo o escape de misericórdia ou o furor da condenação. No ideário popular, Deus, o arquétipo máximo da Justiça, é aquele que tudo vê e tudo sabe. “Ver e saber” sempre fizeram parte dos ideais míticos e antropomorfistas das civilizações antigas e, ainda hoje, caracterizam-se como genuínas expectativas empíricas que também buscam ser verdadeiramente reconhecidas, absorvidas e perpetradas pelas cátedras, magistrados e pelo sistema judiciário vigente para que tornem-se mais legítimos e aguerridos no propósito de representar os interesses da população em erradicar a impunidade.
Com o advento do antropocentrismo, da humanização da Justiça, e da democracia, criar leis e fazê-las cumprir deixou de ser produto da direta intervenção divina, numa sociedade que já não é mais teocrática. Em contrapartida, o Direito passou a evoluir em função do indivíduo e em harmonia com os parâmetros sociais, sem, contudo, despojar-se da paradigmática e retrógrada cegueira. O crescente número de legisladores, juízes e advogados faz com que a Justiça continue construindo percepções jurídicas contextualizadas à cultura de cada região, de cada época, considerando sua evolução histórica, numa tentativa de integração holística das macro e micro realidades psico-sócio-político-econômicas. buscam não desprezar a herança dos valores morais, emocionais, éticos, familiares e religiosos, por também serem sólidos referenciais antropológicos que visam substituir a função do dito “discernimento divino”. Paradoxalmente, os advogados tem tentado ser os “olhos que tudo vêem”, enquanto a Justiça humana burocratizou-se e enrijeceu-se de tal forma que sempre tem que “ver para crer” – mas, por ainda estar plenamente vendada, cega, permanece incapaz de creditar confiança a certos fatos que seriam aceitos até por Tomé – atuando de forma morosa e insatisfatória.
A cegueira da nossa Justiça está estigmatizada. Tornou-se caricatura grotesca da indiferença, omissão, corrupção e impunidade. Tanto que há provérbios contemporâneos que justificam: “o pior cego é aquele que não quer ver” e “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. No modelo “cego”, entende-se que há juízes que não percebem a dor dos injustiçados e nem se preocupam em punir o delito de alguns injustos. Nesta concepção de “Justiça Cega” também está implícito o conceito pejorativo de deficiência e inoperância, como bem salienta o escritor Álef Benavraham em sua poesia intitulada Injusta Cegueira: “No mundo dos pobres, a Justiça ainda se faz de muda, surda e até tetraplégica...” (Lendas de Um Coração – Poesia em Defesa da Igualdade, Coleção Cactos, Vol. I-2, poesia de número 15, http://escritoralef.blogspot.com/). Por isso, é preciso empreender todo esforço possível para desatrofiar a visão da Justiça, propiciando que ela enxergue, e bem, as realidades e atrocidades sociais do cotidiano. Na atual conjuntura, a população precisa de uma Justiça Humana que se supere com a hiperestesia dos sentidos, especialmente o da visão: para que veja luz no final do túnel. Se Deus está vendo, se até mesmo o povo inteiro está testemunhando, a Justiça também necessita enxergar enquanto ainda é possível tentar extirpar a vergonhosa degeneração política que se alojou no país.
A missão de ajudar a desvendar os olhos da Justiça é um moderno conceito de cidadania na crescente potencialização e dignificação dos direitos humanos, sendo a solução pragmática e efetiva que a permitirá enxergar até mesmo o que a mídia e os poderes econômicos não mostram e não comentam. Se o Poder Judiciário pudesse ver e agir imparcialmente, como verdadeiro Deus-vivo, supremo Juiz e Arquiteto do universo, a sociedade assemelhar-se-ia ao Éden: símbolo canônico que traduz o direito primaz de escolher entre o bem e o mal com suas respectivas conseqüências anteriormente convencionadas, responsabilizando imediatamente o homem por suas ações no mundo – nisto consiste a base da verdadeira democracia, da liberdade de escolha, e da implementação da Justiça Visionária.
Com a licença dos doutores da Lei e em defesa de uma cosmovisão remanescente do sonho, da fé e esperança que ainda permeiam o consenso popular – com fundamentações sociológicas e jurídicas à parte – acredito que a construção do “paradigma visionário” como novo e imprescindível Ícone da Justiça, além de responder às expectativas intrínsecas dos cidadãos e otimizar a confiança de que ainda é possível vitalizar o nosso sistema judiciário, também tornar-se-ia o grande marco de uma nova era da luta institucional e comunitária pela real e transparente igualdade de direitos e deveres no Brasil.